segunda-feira, 10 de maio de 2010

Desconstrução de mim mesmo

Quando eu vi o café quente pousar sobre a xícara, Cheguei a pensar que eu era esta xícara. Perguntei-me então: "Será que virão duas colheres de açúcar, ou só uma? Ou será que este café ficará amargo mesmo?".
O café, apesar de quente, tinha um gosto de café adormecido, requentado. Foi misturado a um pouco mais de uma colher de açúcar, levado a boca e rapidamente engolido. Naquele momento, percebi que eu não era a xícara.
Quando a faca tocou a carne e a cortou, fazendo o sangue escorrer, pensei eu ser a faca, aquela lâmina afiada que intervia sobre a pele e modificava ali aquela realidade de existência, de segurança e conforto. No entanto, quando o sangue espirrou sobre a mão, percebi que eu não era aquela faca. Eu não era a faca. Talvez eu fosse a mão que esfaqueava, mas isso eu não sabia, pois ela estava infurecida de uma forma que eu jamais me ví (se é que eu já me vi de alguma outra forma).
Era manhã na cidade, por volta das oito horas. Muitos, mas muitos mesmo, muitos motores surgiam e rugiam como leões famintos de carne e de sangue. Estes rugidos até pareciam os rugidos daqueles gárgolas que viviam nas copas dos prédios, deliciando-se da visão dolorosa daqueles que rastejavam sobre a calçada quente naquela manhã ensolarada. Pensei eu então ser aquele pacote de salgadinho que estava jogado na guia. O vento soprou e ele então saiu voando, voando por entre a poeira, a fumaça quente e o vapor das transpirações daqueles seres que por ali passavam. Mas quando vi que aquele pacote de salgadinho não teria um paradeiro, vagaria sem rumo por séculos e séculos, atrapalhando e poluindo e decorando aquela paisagem de mundo, eu percebi que também não era o pacote de salgadinho.